terça-feira, 27 de outubro de 2009
Palafitas
As pessoas sonham com um lugar assim, mas quem mora lá não está realizando sonhos. Vivem, simplesmente. A casa foi construída para suportar os alagamentos de verão, e o planejamento exagerado do velho Ern só deixou a vista mais bonita e uma impressão falsa de fragilidade. 80 anos de pé e três proprietários. As águas da praia abaixo do morro só fazem o som constante que embala a vida por ali, sem nunca terem subido pra perturbar ninguém.
Billy, o marido de Marie, comprou a casa do filho do velho Ern. Tinha morado ali a vida inteira e quis ficar mais perto dos netos na vila quando estava pra morrer. Agora já faz 30 anos que o casal envelhece ali. Ele se distrai cortando madeira de dia e vê o noticiário à noite. Ela começou a costurar depois que se aposentou do hospital. Era enfermeira e viu muitas dores, mas também embalou muitos sonos tranquilos e transmitiu a paz de maresia que embargava seus olhos aos libertos da maca. As aposentadorias cobrem as contas básicas e sobra um tantinho pra uma poupança que Billy gosta de engordar aos poucos. Com o troco que ganha costurando, Marie acabou de comprar uma namoradeira nova para a varanda do lado. É dali que ela escuta as histórias que Billy traz da cidade e ri dele reclamando da política.
Os dois filhos foram morar no continente e mandam presentes engraçados para facilitar a vida dos dois. Um cortador de legumes automático, uma furadeira mais leve e mais rápida, tocadores de música, câmeras e fotos, as únicas coisas que saem dos embrulhos para enfeitar as paredes de madeira.
Um dia desses, andando na praia, o casal recebeu uma proposta de venda milhonária da casa. Um grupo empresarial de renome ofereceu o sonho de construir ali um hotel paradisíaco, com piscinas gigantes, quartos monumentais e serviços refinados. Marie não ouviu direito, estava olhando um barco a vela que passava na linha do horizonte. Billy agora se diverte esticando o prazo pra pensar e prometendo um dia ir jantar na vila com o empresário, um menino magrelo que parece sempre sufocar pelo nó da gravata de seda.
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