quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Uma pequena mágoa de infância

No consultório da dentista, depois de uma bronca pelas cáries, a menina se perguntou: "O que será que dá cáries?" Não era uma pergunta para a dentista, para se precaver do problema, muito menos uma ironia, afinal, era tão novinha. "O que será que dá cáries", como até hoje se pergunta "o que será que causa o câncer, como surgiu a humanidade, exise vida após a morte?".
A dentista, a mãe e uma platéia imaginária riram da menina e alguém respondeu: "Ora, comida!". Como se fosse óbvio e pode até parecer hoje, depois que a menina já viu tanto comercial de creme dental e já conheceu outras tantos médicos de dentes.
Surpresa e ofendida, ela aceitou a resposta sem mais questionamentos. Hoje é capaz de entender um pouco mais sobre o mundo adulto e como seria difícil alguém ali reconhecer talvez seu primeiro momento de interesse pelas ciências e por todos os outros mistérios. Porque ela não se surpreende mais de se perguntar tanto sobre tanta coisa, de buscar muitas respostas, de achar algumas e encontrar cada vez mais perguntas. Ela sabe que é bom viver assim.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Olhar não tira pedaço

Apesar do mundo inteiro achar que sabe as regras e os caminhos, acho tesão uma coisa muito doida. Porque você é preparada pra ficar excitada com um homem forte saindo da água, com beijos no pescoço ao som de música romântica etc, mas, de repente, se pega observando com interesse incomum as mãos de um cara que não te despertou nada de início ou fascinada pelo espreguiçar daquele amigo que você se acostumou a achar normal todos os dias.
Pensei isso essa semana quando um cidadão viu um pedaço da minha calcinha e exclamou em tom safado: "Humnm, sua calcinha é salmon."
Gente, não era. Minha calcinha era bege. Sim, aquela cor sem graça que, se estiver em calcinhas, é condenada por uma grande parte do público masculino. Já ouvi falar que é quase um método anticoncepcional. Mas é que esse cidadão, apesar de sua vida certinha de compromissos e atenções, sonha em passear aqui em casa e me fazer companhia numa noite solitária. Acostumada com seus comentários atrevidos, apenas ri e arrumei a saia. Apesar de nunca ter dado meu endereço pra ele, um dia vou lhe agradecer pelas altas doses de ânimo na minha auto estima. Fazer sucesso até de calcinha bege é mesmo muito bom.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Bad Hair Day


Eu sou contra.
Contra gente magra.
Porque eu estou grilada de estar gorda e fazer regime é um sacrifício imenso, caso você (magro) queira saber.
E também sou contra gente do cabelo liso e naturalmente bonito.
Meu cabelo, por ele mesmo, é sem graça e despenteado.
Tem pichains na frente.
Se eu não fizer nada, fico sempre com cara de desarrumada.
"Ah, mas você pode fazer luzes, escova, chapinha... não custa nada".
Custa sim.
Eu tenho um sono mortal de manhã, sou enrolada, preguiçosa, cabelo escovado suja rápido e me dá coceira.
E luzes sai mais de R$ 200 nos salões razoáveis.
Então, hoje, eu sou contra gente magra e do cabelo facilmente bonito.
É o meu dia de revolta, dá licença.
Caso você seja magro e com cabelão lindo, você vai entender que eu tenho inveja.
E você também tem direito de ser conta o que quiser.
Talvez você quisesse ser inteligente, por exemplo.
Ser branca.
Ser negra.
Ter pernas mais grossas.
É claro que você pode ser feliz sem isso.
Eu também posso.
Mas hoje eu não estou feliz com meu corpo e nem com meu cabelo.
E comecei um regime, vou voltar a malhar, vou tentar resolver meus problemas capilares.
Mas eu tenho todo o direito de não gostar de ter esses problemas.
Não é que eu não tenha outros, tenho, inclusive, vários outros.
Uma coleção repleta de problemas chatos e difíceis, de toda ordem que você possa imaginar.
Físicos, psicológicos, sociais, sentimentais, astrais... Problemas à vontade!
Mas são todos meus e vou levando como posso.
Peço ajuda ou não, empurro com a barriga ou resolvo, enfim, me viro.
É bem provável que eu evolua com o tempo e me torne uma pessoa melhor. Mais madura, mais segura.
Quem sabe, até lá, eu consiga ter uma relação mais saudável com meu corpo e cabelo.
Talvez eu esqueça as cobranças externas e consiga chegar ao nirvana de agradar só a mim mesma e mais ninguém.
E passear livre pelas casas de massa exibindo orgulhosa minha massa de fios desordenados na cabeça.
Mas, até lá, vou sofrer ao desistir do sorvete, do cheddar e de gastar uma fortuna nos salões.